O Rio de Janeiro, cidade histórica brasileira e conhecida por sua pluralidade cultural - inclusive musical - sempre foi destino de turistas do mundo todo que querem conhecer suas praias, bairros e cartões postais históricos. E também curtir festivais e festas, por que não?
Apontada por alguns fãs como uma cidade capaz de ser a capital brasileira da música eletrônica pela fama e pelas belas paisagens, o Rio parece estar longe deste caminho aos olhos de parte do público. E como os produtores locais vêem essa questão?
Não é de hoje que alguns eventos de música eletrônica enfrentam dificuldades para ocorrer sem nenhum problema com as autoridades na cidade maravilhosa. Alguns grandes festivais já tentaram se instalar por lá, e outras festas e clubes lutam para abrir um espaço na capital carioca. Nem sempre com sucesso.
Este ano, um evento realizado pelo coletivo paulista Capslock na praia do Arpoador, que segundo os organizadores havia sido liberado pelas autoridades, de última hora acabou sendo proibido. Outros dois que aconteceram este ano foram o show do DJ e produtor Vintage Culture no 10 e meio beach club, que seria de graça para o público, mas foi impedido de última hora. E o Só Track Boa edição carnaval, que já virou tradição na cidade, chegou a ocorrer, mas sofreu embargos na semana do evento que quase impediram sua realização.
Para entender melhor a situação da música eletrônica no Rio, convidamos sete produtores de eventos locais para contarem sua experiência nessa área na capital carioca. Abordamos um panorama geral sobre a produção de festas eletrônicas com profissionais que fazem festas privadas e públicas, para públicos grandes em que precisam de alvarás até eventos de psytrance para convidados selecionados. Dessa forma, conseguimos dar voz a várias camadas da música eletrônica na cidade carioca.
1.Quais eventos você realiza, pra quantas pessoas, são privados ou públicos e qual o processo de autorização?
Ananda Nobre: Faço a Kode, que este ano completa 7 anos. O público varia de 600 a 1200 pessoas dependendo da época. O processo de legalização depende muito do espaço onde o evento vai acontecer, mas normalmente envolve liberação dos bombeiros e prefeitura.
André Silvestre: Realizo uma média de 3 a 4 por mês, normalmente em locais privados e com ingressos públicos. Os eventos variam muito de tamanho, de 150/200 a 20.000. O processo de liberação é sempre feito junto a prefeitura, polícia, corpo de bombeiros, vigilância sanitária, cet rio, e outros órgãos necessários os mais simples eu mesmo faço e os mais complexos contrato despachante.
Leandro Amonati: Produzo a festa da minha gravadora de psytrance “Arrábida Label Night”, além de ser sócio no Planeta Pirata Psy, em uma casa de eventos alternativos na Zona Norte do Rio.
Os eventos são realizados em estabelecimentos, como boates e casas noturnas, não ficando a nosso cargo a responsabilidade em processos de autorização ou alvarás.
Por exemplo, quando realizamos eventos no Planeta Pirata Psy, entramos na categoria evento de baixo risco, o que também dispensa alvará.
Já que temos uma limitação de até 100 convidados, o evento é privado, com divulgação exclusiva para o público de psytrance de estilo noturno.
Malky Barros: A MÉDIA DE PÚBLICO É DE 600 A 1.000 PESSOAS DUAS VEZES POR SEMANA, AMBOS, ALGUNS PRIVADOS E ALGUNS PÚBLICOS. NO RIO DE JANEIRO VOCÊ TEM QUE CONHECER O COMANDANTE DO BATALHÃO DE POLÍCIA MILITAR E ANTES DO EVENTO ACERTAR A TAXA DE TRANQUILIDADE, HAJA VISTO QUE A IMAGEM DOS EVENTOS DE MÚSICA ELETRÔNICA NÃO SÃO BEM VISTOS E AINDA GENERALIZADOS COMO RAVE.
Vinicius Tesfon: Atualmente sou DJ residente e produtor dos seguintes núcleos, que trabalham com diferentes estilos da música eletrônica: O/NDA(@onda.cc), Manie Dansante (@maniedansante) e Gruta @dentrodagruta. Esses projetos ao longo do ano se apresentam para diferentes formatos de público, que circulam entre 500 a 8000 pessoas, de acordo com a proposta de cada edição. O processo de autorização para a realização de um evento em local privado e em áreas públicas é muito semelhante, deve ser dada entrada no pedido idealmente com no mínimo de 2 meses de antecedência, no site da prefeitura do rio, e lá informar os detalhes do evento, bem como fornecer os documentos e autorizações necessárias de acordo com o porte do evento.
Rodrigo S: Sou Rodrigo S (@djrodrigos_) DJ e agitador cultural há mais de 20 anos, sempre envolvido em inúmeros projetos. Sou produtor e idealizador da Wobble (@festawobble), pioneira da Bass Music, que acontece para públicos de 1000 a 5000 pessoas e se realiza em diversos locais diferentes, desde locações privadas e fechadas, até mesmo na rua, onde fizemos história em diversas regiões da cidade como a Vila Mimosa e o Leme. Também sou curador e consultor da FAU (@fau.rio), um dos maiores festivais urbanos da cidade, que acontece para público entre 3000 a 8000 pessoas de forma gratuita e com caráter filantrópico. A FAU se realiza periodicamente no centro do Rio de Janeiro. Até meados de 2019 acontecia no Passeio Ernesto Nazareth, mas desde a retomada estamos ocupando um terreno privado da produtora NAU cidades.
O processo de liberação varia muito, lugares privados podem ou não ter alvará. Não basta alugar o local, você precisa entender a documentação do local, se o mesmo se responsabiliza pela documentação ou não. Já lugares públicos envolvem outro tipo de autorizações, é preciso entender o local e os tipos de liberações necessárias, como Policia Militar, Policia Civil, Bombeiros, Prefeitura, Vigilância Sanitária, CET Rio, Orla Rio e o IPHAN, é muito importante entender as realidades locais e tornar o evento algo positivo para moradores, comerciantes e demais envolvidos. Cidades são vivas e precisamos entender que a ordem pública não é uma vilã, mas parte do jogo que precisa ser jogado.
2.Quais são as principais dificuldades que você já enfrentou para fazer festas de música eletrônica no Rio de Janeiro, com o poder público e outros? Você acredita ser mais difícil que em outras partes do Brasil?
Ananda Nobre: Acho que as dificuldades de se realizar um evento independente no Rio são as mesmas de outros estados e novamente depende da onde o evento irá ocorrer, um evento na rua por exemplo pode ser difícil de legalizar, mas possível.
O Rio praticamente não tem clubes, então todos os eventos são feitos do zero e com um alto investimento, isso pode ser uma grande dificuldade, principalmente para coletivos novos.
André Silvestre: Houve um tempo em que as restrições eram legais mas depois que foi feita a legislação para regular as liberações e facilitou bastante com um processo menos subjetivo, aí é só seguir a cartilha que não tem erro.
Leandro Amonati: São muitas dificuldades, desde o preconceito com o público até as liberações . A música eletrônica psicodélica em particular, no Estado do Rio de Janeiro é visada pelas autoridades, por vários motivos, entre eles a equivocada associação com drogas. Acontecia truculência gratuita por parte da polícia só por estar tocando Psytrance.
Não sei dizer por experiência própria em outros estados, mas as pessoas que eu conheço de outros lugares tendem a falar a mesma coisa em maior ou menor grau.. Mas a gente dá o nosso jeito para não deixar morrer a cena!
Malky Barros: NÃO VEJO FACILIDADE DA PARTE DAS AUTORIDADES, CONTUDO O ACERTO PRÉVIO VIABILIZA PELO MENOS DURANTE O TURNO ACERTADO, COMO AS FESTAS DURAM MAIS QUE UM TURNO, ÀS VEZES SE PAGA DOBRADO.
Vinicius Tesfon: Acredito que a maior dificuldade no que tange o processo de legalização dos eventos no Rio é a falta de comunicação entre as instâncias públicas envolvidas no processo de autorização. É comum receber o apoio para realização de um evento de uma instância, mas enfrentar dificuldades para receber autorização de outras. Recentemente com a O/NDA tivemos um alvará negado para a realização de um evento na Rua, mesmo recebendo o apoio da Subprefeitura para a realização do mesmo. Migramos o evento para um espaço privado e o mesmo ocorreu sem maiores problemas.
Fora as instâncias públicas, acredito que uma das maiores dificuldades para a realização de eventos de música eletrônica (e talvez de outros estilos) é a aversão do carioca médio a pagar ingressos para os eventos no geral: o Rio tem uma cultura muito forte de entretenimento gratuito e de rua, que vai desde a praia, passando pelo carnaval e blocos que acontecem o ano todo, além da recessão econômica - no geral causada por escolhas políticas ruins em diferentes âmbitos. Então é necessário se adaptar e propor projetos com ingressos colaborativos e/ou gratuitos, como é o caso de todos os projetos que estou envolvido hoje.
Não acredito que seja mais difícil a realização de eventos de música eletrônica no Rio de Janeiro, pelo contrário, falando especificamente de eventos de Rua, apesar da burocracia, o Rio é uma das cidades do Brasil, (e talvez do mundo) com mais eventos de Rua em sua programação mensal.
Rodrigo S: Meu feedback acaba sendo muito mais o cenário carioca. Até morei um curto período em São Paulo, mas sempre que fizemos festa na cidade em locais privados, com todas as liberações legais corretas (até onde sabemos) e não tivemos que fazer esse trâmite para liberação. As dificuldades maiores aqui no Rio de Janeiro são a falta de comunicação entre as instâncias legais, até existe um site para facilitar a liberação, o Carioca Digital, mas ele não tem uma integração entre todas as autoridades legais. Isso torna o processo lento, burocrático e complicado. Dependendo do local uma liberação pode demorar até 8 semanas para sair, qualquer instância pode bloquear a liberação mesmo com todas as outras aprovadas. Muitas vezes a saída é buscar um profissional especialista nestas documentações o que acaba por facilitar e diminuir o tempo para obter tais liberações, mas os valores são caros para pequenos e médios produtores.
Acredito que o maior problema do produtor carioca seja mesmo a concorrência com uma enorme demanda de divertimento gratuito. Concorremos com a Praia, com o barzinho, com Blocos de carnaval, as festas de rua e etc. O carioca tem uma enorme resistência a comprar tickets, assim como enfrentar lugares fechados, os ditos inferninhos, para curtir boa música. Precisamos nos adaptar a essa realidade.
3.O público do Rio de Janeiro costuma apoiar os eventos e festas de música eletrônica locais? Ou preferem outros gêneros musicais?
Ananda Nobre: Musicalmente o Rio é uma cidade muito eclética e eu considero isso muito enriquecedor para a cena cultural da cidade. Acredito que dentro desse cenário também existe apoio e espaço para a música eletrônica.
André Silvestre: Sim, existe bastante interesse do público que frequenta tanto eventos de música eletrônica locais como de outros estados e até países. Mas sinto que o Rio é diferente dos outros estados porque aqui todo mundo vai em tudo tipo se tiver um evento de sertanejo no dia concorre com um outro de rap, por exemplo. Já fiz evento de techno no mesmo dia de um evento de funk que foi bastante impactado.
Leandro Amonati: A música eletrônica abrange vários estilos. Se estamos falando de Funk (que é música eletrônica) , o Rio de Janeiro é uma mãe. Tem o tempo todo e movimenta muita grana nos bailes que em geral são em áreas fora do poder público. Se estamos falando de Techno, hoje tá bem forte essa cena no Rio. Os estacionamentos e galpões pelo centro têm tido eventos desse gênero quase todo final de semana. Tech House e “Low BPM” na sua generalidade sempre tem em algum lugar. Já quando falamos de Psytrance o RJ é fraco, carente demais. São poucas Raves de médio a grande porte, não tem opção de eventos menores todo fim de semana. Eu entro justamente nessa tentativa de viabilizar isso para a região metropolitana do Rio de Janeiro.
O apoio do público carioca no caso do Psytrance é complicado. Venda de ingresso antecipado que ajuda muito a produção do evento costuma ser fraca. O carioca é imediatista. Quer comprar na hora. Pouco apoio para artistas locais, a percepção é que sem gringo o evento é fraco. Isso acaba prejudicando a infraestrutura porque se gasta muito no Line. Rola também uma falta de consciência de cena, de comunidade. Isso se deve em parte ao menor poder aquisitivo, mas boa parte é não pensar no trampo dos outros mesmo. Não se valoriza o trabalho alheio. Então isso obriga os produtores a terem estratégias para se proteger do prejuízo. Daí vem altos valores no bar por exemplo, é difícil ter água grátis, o estacionamento é caro etc. É claro que existem produtores de eventos com um pensamento abusivo também.
Leo Janeiro: O Rio sempre foi um lugar com uma multidiversidade musical, isso é o nosso dna. Na música eletrônica eu vejo um excelente engajamento, porém com outro tamanho, o público que hoje frequenta as festas está muito mais diverso e ligado nessa questão colaborativa, a pandemia trouxe um olhar muito interessante sobre este aspecto.
Malky Barros: SIM, APOIAM MUITO! CONTUDO ALÉM DE PEDIREM MUITO CORTESIAS, O PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO É EXTREMAMENTE COMERCIAL, APRECIAM MUITO REMIXES PRÓPRIOS DE PRODUTORES DA PRÓPRIA MÚSICA COMERCIAL, TODAS EM REMIXES ELETRÔNICOS. RJ NÃO APRECIA NOVAS TENDÊNCIAS DE VERTENTES TÃO FACILMENTE.
Vinicius Tesfon: Com certeza sim. Os projetos que mais conseguem sucesso são aqueles que de fato dialogam com a cidade, com a cena, e que conseguem desenvolver de forma profunda osenso de comunidade e pertencimento. Uma vez desenvolvido isso é garantido o apoio e o suporte das pessoas ao longo do tempo. Vejo na cena do Rio de Janeiro, hoje, uma quantidade cada vez maior de núcleos trabalhando com diferentes estilos da música eletrônica. Muitos artistas locais estão atingindo palcos de outras cidades do Brasil e do mundo. Há uma crescente demanda de público, no geral, para os eventos dos diferentes estilos da música eletrônica da cidade.
Rodrigo S: Rio de Janeiro é uma cidade conhecida pelos eventos, pela aquecida vida noturna. Inclusive acho que a música eletrônica é super bem vista pelas autoridades locais e patrocinadores. A perseguição local se dá justamente com gêneros mais periféricos como o Funk. O Funk Carioca sim sofre com preconceitos de diversas instâncias legais, triste mesmo que não apenas delas. É muito comum ver admiradores da cena eletrônica desmerecer o funk. Eu que costumo trabalhar com diversos artistas internacionais, vejo os mais diversos DJs loucos pela construção dos beats do funk carioca, uma genuína e importante parte da música eletrônica brasileira. Essa sonoridade vem cada vez mais ganhando respeito na cena clubber mundial. Uma pena que boa parte do público de música eletrônica acaba por refletir nossos preconceitos como sociedade no Brasil. Mas é um passo de cada vez e acredito num futuro melhor.
4.Você enxerga uma resistência dos grandes eventos em levar as festas para o RJ?
Ananda Nobre: A maioria dos grandes eventos ocorre em São Paulo, pelo simples fato de ser a maior cidade do País com um público 10x maior, um grande evento como um festival, vai naturalmente optar por fazer lá, mas com maior apoio do poder público e também de marcas acho que o Rio tem também potencial para se tornar um destino de grandes eventos.
André Silvestre: Não. O Rio de Janeiro recebe diversos festivais e festas grandes, mas o mercado é bastante competitivo, o que pode causar um receio em alguns produtores.
Leandro Amonati: Com certeza, aqui é arriscado e não é de hoje.
Leo Janeiro: Não vejo desta maneira, muitos eventos estão tentando trabalhar no Rio por causa da sua vocação turística com potencial de público, além de possibilidades de exposição para marcas/ patrocinadores. A questão na minha opinião é um entendimento de que espaços estão disponíveis tanto no privado ou público para ter todo o processo de legalização ok? Sinto falta de algo mais claro, isso acaba gerando muitas dúvidas, quando isso acontece muitos produtores preferem não fazer por aqui.
Malky Barros: COM A MAIORIA DO PÚBLICO DE GOSTO COMERCIAL, GRANDES NOMES NAO SE DESTACAM PELA SONORIDADE CONCEITUAL, NÃO EXISTE RESPEITO POR PARTE DO PÚBLICO, JÁ PRESENCIEI CRÍTICAS EM MASSA DO PÚBLICO. DESSA FORMA, ATÉ GRANDES EVENTOS TIVERAM QUE MUDAR SUAS ATRAÇÕES E VERTENTES. COMPARE A TRAJETÓRIA DE LINES UPS DE EUFORIA E INSÔNIA RJ, POR EXEMPLO.
Vinicius Tesfon: Para conseguir responder essa pergunta é importante conceituarmos o que são grandes eventos. De acordo com o Decreto 5657, de 24 de Janeiro de 2023, Prefeitura do Rio de Janeiro, Art. 6:
“ I — eventos de mínimo porte — até 300 (trezentas) pessoas;
II — eventos de pequeno porte — entre 301 (trezentas e uma) e 2.000 (duas mil);
III — eventos de médio porte — entre 2.001 (duas mil e uma) e 10.000 (dez mil) pessoas;
IV — eventos de grande porte — entre 10.001 (dez mil e uma) e 50.000 (cinquenta mil) pessoas;
V — megaeventos — acima de 50.000 (cinquenta mil) pessoas.”
De acordo com essa definição, o Rio hoje abriga a maior festa de réveillon do mundo, um dos maiores carnavais do mundo - que conta com uma extensa programação também de música eletrônica -, e um dos maiores festivais do mundo (Rock in Rio) - que também tem palco de música eletrônica. Além dos eventos de música eletrônica de vertentes mais comerciais que facilmente juntam mais de 10 mil pessoas na cidade.
Mas no geral, infelizmente no Brasil, pelo o que consigo acompanhar, ainda são poucas as cidades/capitais com muitos eventos dedicados exclusivamente à música eletrônica para mais de 10 mil pessoas.
Rodrigo S: Rio de Janeiro é uma cidade turística. Aqui acontece o maior Réveillon do mundo, a maior festa de Rua do Mundo (o carnaval) é um dos maiores festivais do Mundo o Rock In Rio (que tem a música eletrônica cada vez mais em destaque). Isso sem contar as dezenas de festas de vertentes mais comerciais que juntam mais de 10 mil pessoas em locais como o Rio Centro. Acho que não existe uma resistência, muito pelo contrário acredito que a cidade é uma das mais abertas para receber tais eventos. Podemos listar facilmente diversos locais para receber mais de 10 mil pessoas na cidade.
5.Por fim, como você enxerga o cenário atual da música eletrônica no Rio de Janeiro? Há algum caminho a seguir para melhorar a cena? E o que já vem dando certo e precisa se manter?
Ananda Nobre: Eu enxergo a coletividade entre as festas independentes do Rio como algo muito positivo. Um fator que considero que poderia ajudar a melhorar a cena seria um maior apoio de marcas, pois existe uma real dificuldade em manter um evento acessível e entregar qualidade, a conta dificilmente fecha.
André Silvestre: O mercado do Rio de Janeiro para se desenvolver, no meu ponto de vista, deveria ter um maior apoio das marcas que investem basicamente em eventos já consolidados. Existe também uma limitação de lugares para eventos o que atrapalha bastante e por fim mas não menos importante o público é bastante pulverizado e tem muitas opções de entretenimento não tendo uma organização no calendário onde acontecem muitos eventos nas mesmas datas e com perfil artístico parecido.
Leandro Amonati: O carioca precisa ser treinado a ter consciência de comunidade. Com gente influente falando sobre isso, figuras hype dando essa ideia, que é tudo conectado e que uma mão lava a outra. Tem que vir de cima para baixo. Desconheço um influente carioca da cena eletrônica com milhares de seguidores, dando idéia sobre isso. Com certeza não vai aparecer na televisão. É preciso entrar na mente desse público com propaganda para o bem, com uma linguagem acessível e local.
Leo Janeiro: Eu to achando ótimo, muitos artistas talentosos surgindo e uma troca muito importante entre as gerações. O que precisa manter sempre é o canal de troca de ideias e nossa presença/representatividade perto do poder público, às vezes por sermos muito independentes, esquecemos que é importante ter essas conexões e participar mais ativamente da parte cultural da cidade, acaba sendo um passo que pode fazer muita diferença.
Malky Barros: VEJO UM MERCADO OPOSTO AO DO RESTO DO MUNDO, VEJO DJ QUE TOCA REMIXES NÃO AUTORIZADOS EM DESTAQUE POR SER COMERCIAL, VEJO O SOM CONCEITO DO PRODUTOR SENDO VAIADO, VEJO GRANDES TALENTOS SEM ESPAÇO PARA TOCAR SEU SOM CONCEITUAL, VEJO O ARTISTA INTERNACIONAL SER APENAS MAIS UM, VEJO O PÚBLICO FALTAR COM O RESPEITO SE O DJ NAO TOCAR O QUE QUEREM OUVIR, ENFIM, RJ NAO É REFERÊNCIA.
Vinicius Tesfon: Vejo hoje na cena do Rio de Janeiro uma quantidade cada vez maior de núcleos trabalhando com diferentes estilos da música eletrônica, muitos artistas locais atingindo palcos de outras cidades do Brasil e do mundo e uma crescente demanda de público, no geral, para os eventos dos diferentes estilos da música eletrônica na cidade.
Penso que para melhorar na cena carioca de música eletrônica, hoje, é preciso que os agentes culturais da cidade, principalmente, acreditem na própria potência e potencial. Que olhem mais para o interno para buscar como desenvolver cada vez mais a cena local de modo respeitoso com os espaços e com as pessoas, para que se integrem às especificidades da própria cidade, visando criar uma cena com cada vez mais identidade própria. Vejo muitos agentes culturais construindo pontes, muitas vezes de mão única, para fortalecer marcas e núcleos externos que só ajudam a exportar o PIB da cidade para outras capitais do Brasil que já são mais abundantes.
O que tem dado certo e precisa ser mantido são os projetos de música eletrônica que trabalham na base, com formação de público, e que são gratuitos e acessíveis. Assim, a cena continua se fortalecendo e alcançando mais e mais pessoas - que possivelmente não entrariam em contato com a música eletrônica se precisassem pagar para ir nos eventos.
Rodrigo S: Temos hoje vários coletivos diferentes, que buscam cada vez mais trabalhar com nichos próprios. Festas como a 220 que levanta a bandeira do Break Beat, Brasil Grime Show e a Speed Test trazendo o Grime e vertentes mais undergrounds, a galera de São Gonçalo fazendo varios roles irados no BeerBox e toda semana um coletivo de techno novo na cidade trazendo uma molecada nova produzindo e tocando. Acho que tem muita coisa bacana na cidade rolando e o melhor é que o público está aberto às novidades. Melhorar mesmo o que falta é uma melhor comunicação entre os núcleos, olhar com mais carinho pra quem ta fazendo acontecer na cidade.
6.Quais dicas você daria para um produtor que gostaria de realizar uma festa eletrônica no Rio de Janeiro?
Ananda Nobre: Se envolver, respeitar e trabalhar em conjunto com a comunidade local que trabalha o ano todo para manter a cena acontecendo. Acho que a troca também é algo muito importante, levar artistas do Rio por exemplo para tocar em outras cidades, após ter feito eventos no Rio. Importante que seja uma relação de mão dupla.
André Silvestre: Primeiramente, estudar a legislação de liberação de eventos. Existem alguns despachantes que podem ajudar bastante neste sentido para os entrantes.
Entrar em contato com algum produtor local também ajuda muito para entender os cenários e processos necessários à realização, além de fornecedores confiáveis e outras informações e contatos importantes.
Leandro Amonati: Se for entrada grátis ou pelo menos grátis antecipado, primeiro lote e depois valores baixos com certeza vai bombar, tente ganhar no bar. Enxugue os custos ao máximo. Pelo menos um gringo no lineup. Crie alguma forma do público “levar vantagem” com promoções etc.
Leo Janeiro: Tentar se conectar com pessoas que já estão na linha de frente de eventos por aqui, isso vai ajudar muito e com certeza entender algumas peculiaridades que existem da cidade, importante neste momento e somar.
Malky Barros: TOQUE O QUE O PÚBLICO QUER OUVIR, RJ NÃO É LUGAR PARA LANÇAR A TRACK NOVA COM MAIS DE 100 MIL PLAYS NO SPOTIFY. QUEREM A MODINHA, O REMIX DO FUNK EM ELETRÔNICO, O REMIX DO HIP HOP MAIS TOCADO NO TIK TOK, OU ATÉ MESMO A ORIGINAL MIX DO DJ/PRODUTOR QUE ESTIVER EM EVIDÊNCIA.
TENHO MAIS DE 30 ANOS DE EXPERIÊNCIA COMO DJ, FIZ INÚMEROS EVENTOS NO RJ, JÁ TOQUEI EM PALCOS COM GRANDES NOMES DA CENA, HOJE TENHO VÁRIAS DAS MINHAS TRACKS TOCANDO EM TODA PARTE, A MAIORIA DOS MEUS FÃS SÃO PRÓPRIOS DJS, VIAJEI O MUNDO E VI TODO O RESTO DO MUNDO SER O OPOSTO DO QUE EU VIVI NO RJ, ONDE SE VALORIZA O SOM CRIATIVO E CONCEITUAL.
HOJE ESTOU NA EUROPA, E A DIFERENÇA É ESPANTOSA. AQUI FORA, O COMERCIAL AINDA É CRITICADO, CONTUDO ACREDITO SIM QUE O COMERCIAL
SEJA UMA TENDÊNCIA, A ACEITAÇÃO DO PÚBLICO COM ALGO QUE JÁ ESCUTARAM EM UMA RÁDIO OU POST DE REDES SOCIAIS, POR EXEMPLO, É IRREFUTÁVEL.
EXISTE O PÚBLICO EXIGENTE AQUI FORA, MAS QUANDO VOCÊ QUESTIONA ALGO SOBRE O SOM QUE ESTÁ TOCANDO, QUAL VERTENTE? OS MESMOS NÃO SABEM EXPLICAR OU DEFINIR, NO FIM O QUE VALE É A OPINIÃO DE CADA UM MESMO. NÃO ENTENDEM DA MÚSICA, MAS DIZEM QUE GOSTAM DISSO E DAQUILO QUE NEM SABEM EXPLICAR OU MESMO DEFINIR AO ESCUTAR.
Vinicius Tesfon: Para os agentes de outras cidades a dica é: conversem e estabeleçam parcerias reais com os agentes locais. Integrem e valorizem os artistas locais, pesquisem a fundo sobre as regras do território que pretendem ocupar e proponham trocas reais com os núcleos da cidade. A cena e as pessoas do Rio de Janeiro são receptivas ao novo, mas devemos evitar sempre práticas colonizadoras.
Para os locais: trabalhem, integrem e desenvolvam a sua própria comunidade. Não tenham aversão ao novo, tenham fôlego porque o desenvolvimento de um projeto pode levar - e leva - tempo.
Rodrigo S: Paciência é fundamental, pois com ela você consegue entender que tudo tem seu tempo e que processos são necessários para o sucesso. Resiliência é um lema, precisamos estar fortes para os não que vamos levar, os tropeços que vamos tomar no caminho. Investimento é tudo, visto que cada vez mais a experiência construída é o que pode tornar o diferencial do seu projeto se tornar um sucesso. Muito trabalho e pouca grana até o sucesso, que nem sempre vai ser de muita grana também. Finalmente ame o que faz, se não você desiste.
Pergunta exclusiva feita ao Rodrigo S: Rodrigo, você é um produtor que faz eventos na rua há mais de uma década e conforme dito cada lugar da cidade tem uma forma específica para os produtores agirem. Como você busca se relacionar para não ter problemas com a liberação e alvará dos eventos? Gostaria de dar alguma dica aos produtores que estão chegando agora?
Independente se onde você seja, o ideal mesmo é entender a realidade local de onde você pretende ocupar. Conversar com as pessoas do entorno, trazer elas para próximo, como uma contrapartida social para os moradores, um acordo com os comerciantes locais por exemplo é um bom caminho. Pior coisa que pode acontecer com seu evento é ele ser taxado de “invasor”, por que isso vai reverberar em reclamações com o estado, dificultando até mesmo que no futuro outras pessoas possam ativar o espaço. Busque parcerias com a cena local, outros produtores e DJs locais. Tenho certeza que todo sangue novo que chega é fundamental para o crescimento da cena local, mas sempre buscando uma troca não apenas de ideia, mas de oportunidades.
Se por acaso você tomou um não pro seu evento, reveja tudo que está fazendo e planeje melhor. A pior postura que você pode ter é a de “paladino da contra cultura”, não culpe o “estado malvadão” pelos erros no seu planejamento. Espaços públicos são para serem explorados com sabedoria.
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