Não é novidade que estamos vivendo um momento extremamente ímpar na cena eletrônica nacional. Desde que os eventos retornaram com força total no pós pandemia, vivemos um 2022 eufórico e estamos imersos em um 2023 também muito intenso, resultados de uma altíssima demanda reprimida advinda do isolamento social, acompanhado da elevada oferta de eventos, que transformaram esses anos em alguns dos mais agitados da história da vertente no Brasil. Uma perfeita receita para o sucesso, não é mesmo?
Bem, não é exatamente assim, e você precisa entender isso sob a perspectiva daqueles que estão por trás dos eventos que você frequenta!
A “ressaca” pós pandemia e as consquências do boom de eventos
A partir dos últimos meses de 2022, iniciou-se o que podemos chamar de uma “ressaca” que perdura até o momento, com grandes dificuldades enfrentadas pelos players do mercado para encontrarem um equilíbrio na sustentabilidade de seus negócios. De acordo com Maurício Soares, um dos nomes por trás da ARCA, em São Paulo, o surgimento de novos players no mercado e o aumento nos custos de contratação de artistas e fornecedores em geral são dois importantes fatores de desafio encontrados quando falamos na produção de eventos. Se antes da pandemia, um artista X cobrava 5 mil reais de cachê, após esse período, seu valor subiu para 20 mil. Na mesma linha, fornecedores subiram o preço em 30%, aproximadamente.
O cenário fica ainda mais intenso com a chegada de 2023, ano em que não somente gigantes festivais de música eletrônica como Tomorrowland e Ultra retornam ao país, mas há também a presença de inúmeros shows de altíssimo nível de outros estilos musicais. Fica claro o aquecimento do mercado de entretenimento como um todo, que não somente impacta no nicho da dance music, mas vai além. Assim, com tantos eventos acontecendo ao mesmo tempo, o público precisa “escolher suas batalhas”, uma vez que o dinheiro é um só.
O outro lado pouco explorado no boom dos eventos apontado por Maurício Soares é que, atrás da “Brazilian Storm” está o baixo poder de compra do real em relação ao dólar e ao euro, moedas dos cachês de artistas internacionais. O empresário explica: “O potencial de receita que os eventos têm é muito inferior aqui, mas os ‘fees’ dos artistas são tão altos, quando não maiores, do que o cobrado lá fora, o que acaba prejudicando a estrutura financeira dos eventos, especialmente aqueles que dependem de line-ups internacionais para a venda de ingressos”.
Impactos financeiros e mudança no comportamento dos consumidores
É claro que questões financeiras não impactam somente os produtores, mas também o público final, que viu grande diferença no preço dos tickets, assim como a oferta de inúmeras opções de entretenimento. Ou seja, a receita dos consumidores também ficou, no geral, comprometida e, portanto, o resultado é uma enorme dificuldade na venda de ingressos. Alinhado a isso, a cultura de distribuição de VIPs também é outro fator que impacta não somente as festas, festivais e clubes, como também os compradores, que sentem-se injustiçados com a prática. Sobre esse fator, Mau Soares ainda acrescenta que a distribuição de muitos VIPs distorce o mercado como um todo, fazendo com que os interessados pelo evento esperem até o último momento para comprar os ingressos, que, no final das contas, são parte daquilo que garante a existência da cadeia. “Os compradores de ingressos deveriam ser celebrados, porque sem essas pessoas, os verdadeiros fãs, a cena não existe.”, explica Soares, que ainda vai além: “aquelas que confiam, apoiam e compram seus ingressos logo na abertura das vendas, talvez sejam as figuras mais importantes do nosso mercado.”. Essa questão, alinhada à enorme dificuldade em dar sold out nos eventos, mostra que a conta, muitas vezes, não fecha, tornando cada vez mais difícil a realização de eventos por aqui, mesmo que imagina-se que haja apenas bônus neste boom do entretenimento no país.
Além disso, as mudanças no comportamento dos consumidores de música eletrônica ao longo dos anos não param por aí. Houve, também, uma mudança no perfil geral do público, afinal de contas, trata-se de um período de praticamente 4 anos do "buraco pandêmico". Diferença de idade, alteração no estilo de vida, crescimento ou decrescimento de determinados estilos musicais e um distanciamento do significado da cultura da dance music são alguns aspectos relevantes quando falamos no que mudou de lá para cá. Luiz Gabriel, do Greenvalley, sente que houve uma “enxugada” no público da dance music. Além de menos pessoas frequentando os eventos, o diretor de marketing explica: “Houve uma sofisticação no som de quem já consumia, ao mesmo tempo em que está mais desafiador apresentar uma festa de música eletrônica para quem não está familiarizado.”.
Isso é, a música consumida pelos fãs de dance music antes da pandemia era uma, que foi mudada consideravelmente com as lives e isolamento; e aqueles que chegaram à idade de frequentar eventos durante esse período (os novos adultos) tampouco conhecem à fundo a cultura do estilo, além do crescimento de estilos que antes sequer existiam. Um fato curioso apontado pela equipe do Greenvalley sobre o momento da indústria diz respeito à constatação de que o boca a boca sempre vai ser a estratégia mais eficaz de mercado para a captação de novos amantes da dance music que, de acordo com Juba Jacomino, sócio do GV, é o que mais acontece no clube catarinense: “A pessoa que está vindo pela primeira vez, está acompanhada de uma que já frequenta.”, sendo, assim, fisgada pelo universo da e-music mais por influência de amigos e conhecidos do que por quaisquer outros motivos.
O mercado como um só
Outro aspecto que vale ser mencionado é a concorrência existente entre eventos, clubes, festas e festivais, que não necessariamente representa algo ruim, muito pelo contrário. As mentes responsáveis pelo Greenvalley enxergam esse ponto como uma provocação positiva que estimula o olhar da grande mídia para o gênero, a formação de plateia e a cena no geral. Na mesma linha, Maurício Soares considera que a verdadeira competição é interna, para evoluir, desenvolver o negócio e entregar sempre a melhor experiência possível, a fim de estimular o desenvolvimento completo do mercado. Em uma indústria tão nichada quanto a nossa, a verdade é que, se um cresce, todos crescem; o desenvolvimento de um, é o desenvolvimento de todos. E em um país tão rico em diversidade quanto o Brasil, é certo de que há espaço para todos!
Embora tudo esteja acontecendo na velocidade 2.0 atualmente, sem tempo para que padrões sejam criados e firmados, parece que cada passo em direção ao futuro traz consigo novas formas de equilíbrio e inovação. Não há dúvidas de que o mercado todo ainda está aprendendo os passos desta nova coreografia que rege o atual momento da cena eletrônica nacional. É um novo mundo! E como se manter relevante e sustentável diante de tantas mudanças e desafios? A resposta parece ser unânime para todos os players com quem conversamos para a produção deste artigo (Juba Jacomino, Edu Phillips e Luiz Gabriel, do Greenvalley e Maurício Soares da ARCA), a hora agora é de fazer apostas mais certeiras, investindo ainda mais em qualidade do que em quantidade. Se em 2022 a ordem era: quanto mais, melhor; em 2023, a ordem é investir naquilo que não tem erro; e em 2024 será buscar o equilíbrio entre tudo isso.
Enquanto isso, seguimos firmes e fortes na nossa missão: levar a música eletrônica e seus valores cada vez mais longe!
Imagem de capa: reprodução Instagram
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