A DJ reconhece também que o mundo da música eletrônica é “muito competitivo” e todos vivem com “medo de perder as tendências”. Isso faz com que o trem dos shows não se detenha, ao ponto de já existirem tantos eventos noturnos como diurnos. Mas também altera o calendário discográfico: sem levar tanto em consideração o conceito de disco, a música eletrônica tem uma necessidade doentia de novidades em formato de singles ao longo do ano. Nas palavras de Hardwell quando anunciou sua aposentadoria: “Essa pressão deixa pouca energia, amor e atenção para uma vida como pessoa normal”.
No documentário Avicii: True Stories, o próprio músico reconhecia que estava “farto dos eventos”. Desesperado e com pancreatite, o DJ sueco se matou cortando o pescoço e os pulsos com o vidro de uma garrafa quebrada. Foi um fim trágico de uma vida sem controle, em que combatia a ansiedade com drogas. O conhecido coquetel letal de sexo, drogas e rock and roll é substituído por sexo, drogas, techno e house. “Avicii foi morto pelo mesmo que vitimou Kurt Cobain”, diz Fernando Fuentes, diretor da agência de comunicação de música eletrônica Jaguay e autor do livro Warm-up! Un vistazo a la prensa musical electrónica en España (Warm-up! Um olhar à imprensa musical eletrônica na Espanha). “Nada muda, somente o ritmo e as substâncias. A vida de um DJ pode facilmente se transformar em uma festa sem fim, mas não deve nunca ser assim. Ele é parte essencial e fundamental na efervescente liturgia do clubbing, mas deve saber diferenciar até onde vai seu papel e quando começa o da pessoa, e que é muito vulnerável aos vícios e às tentações. Se não sabe discernir entre uma coisa e outra, tem um grande problema e muitas chances de acabar mal”, afirma. O DJ espanhol Brunetto diz que, antes de acabar mal e esgotado pela noite, decidiu deixar de tocar. “É um mundo estressante. Parei de tocar há sete anos porque cansa”.
María Palacín, professora da pós-graduação em Autoliderança da Universidade de Barcelona, diz que na música eletrônica, como em qualquer âmbito onde o sucesso chega quando a pessoa é muito jovem, é necessário disciplina: “O mundo esportivo, onde também existe fama e dinheiro sem que haja ferramentas emocionais para saber lidar com isso, é um entorno mais disciplinado. O que não ocorre no mundo artístico: acontece principalmente de noite e não existem limites. Vivem sem colocar os pés no chão”. Ou, como dizia Hardwell, em “uma montanha-russa que não para nunca”.
A onda da manipulação
A imagem do DJ sempre é associada à festa e a essa pessoa que com sua música faz todo mundo dançar, mas também existe solidão nesse entorno. Como diz Ley DJ: “Chega um momento em que já não te interessa tanto sociabilizar. A noite é trabalho e você perde o gosto pela festa. Você fica muito sozinho nesse ambiente e, ao contrário de um grupo, está sozinho com a responsabilidade de fazer tudo certo no palco”.
Como em outros entornos musicais, do cinema e esporte, onde as estrelas estão cercadas de representantes, promotores e todos os tipos de agência de management, essa solidão também pode prejudicar a tomada de decisões e o controle do artista sobre sua carreira e sobre si mesmo. María Palacín, professora de pós-graduação em Autoliderança da Universidade de Barcelona, o chama de “a onda da manipulação”. O DJ se vê na crista da onda, mas não a domina. Está sobre ela, movendo-se, mas pode acabar sendo arrastado. “Não é dono de sua vida. É um conflito pessoal que os que têm muito sucesso enfrentam: se sentir o dono do mundo não garante o controle de sua vida”.
Foi o que aconteceu com a superestrela Avicii: “Drogas pesadas em quantidade, dinheiro fácil aos montes e uma cabeça jovem e confusa... Sim, além disso, seu entorno mais próximo, ligado e íntimo - família, amigos, auxiliares, managers - em vez de fazê-lo descer de vez em quando das nuvens à crua realidade, fazem o contrário: batem palma para tudo, mais interessados em que a galinha continue pondo ovos de ouro, em vez de tomar conta da pessoa e guiá-la, a coisa piora, se acelera e, com exceção de alguns milagres, costuma acabar mal”, diz Fernando Fuentes, especialista em música eletrônica.
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